terça-feira, 4 de maio de 2010

DOM BOSCO, O SISTEMA PREVENTIVO E O JOGO


No tempo de Dom Bosco, começou a chegar também em Turim, a revolução industrial. Nascia, assim, “uma nova figura no campo do trabalho: o menino, operário aos oito anos (...) Os meninos, os jovens operários eram empregados como adultos por treze ou quatorze horas de trabalho ao dia, durante sete dias da semana[1]”.
Dom Bosco começou por defender aqueles jovens aprendizes com contratos de trabalho. Um desses contratos, realizado em 1851, chegou até os dias de hoje. Daí, passamos a compreender, como Dom Bosco, numa época de exploração generalizada, proclamava e sustentava o direito a períodos de merecido repouso para os jovens operários.
“O homem nasceu para trabalhar”[2], mas o menino nasceu também para brincar. O jogo, para eles, passa a ser uma necessidade e um direito.
Parece-nos evidente que o jogo é um direito. Para Dom Bosco, no entanto, o jogo é ainda algo mais: ele é o meio mais fácil e seguro para poder educar os jovens. Isso é possível somente com a condição de que o educador participe de seus divertimentos.
Já em 1849, quando o Oratório de Valdocco estava dando os primeiros passos, uma importante revista daquela época sobre educação escrevia que Dom Bosco recolhia de 400 a 500 rapazes em média, para mantê-los longe dos perigos e para instruí-los. “E isto ele consegue através de agradáveis e sadias recreações (...). Dom Bosco não descuida a educação física, deixando que no pátio, situado ao lado do Oratório, fechado todo ao redor, e os meninos cresciam reforçando o vigor do corpo através de exercícios de ginástica, ou divertindo-se com as muletas ou nos balanços, com as chapinhas ou com jogos de bilhar[3]”.
Pode-se logo perceber que o jogo é considerado parte essencial do modo de educar de Dom Bosco. Já em 1849, no jornal “Harmonia” notava outra característica do método: a participação do educador nos jogos. “No meio deles encontrava-se sempre Dom Bosco (...), mestre, companheiro e amigo[4]”.
Dom Bosco, no seu século, esteve entre os primeiros a introduzir a “atividade física” como elemento indispensável no processo educativo. Já o historiador salesiano Eugênio Ceria vê em Dom Bosco o inventor de um método original de educação com o jogo e durante o jogo. Para ele, as características mais em evidência no método são duas: a primeira é a “extraordinária animação”.
“Ele dava preferência aos brinquedos que exigiam agilidade da pessoa. Era um espetáculo a recreação do Oratório. Uma turma de jovens a correr, pular, fazer barulho, divididos em grupos, de acordo com a variedade dos jogos”.
A segunda característica é a participação ativa na “Vida do Pátio”[5] por parte de todos os educadores que a animavam, inclusive Dom Bosco.
“Eles estavam à frente das atividades esportivas, como verdadeiros amigos dos jovens e, com eles, participavam dos desafios. Divertindo-se dessa maneira com os alunos, longe de se rebaixarem, os superiores conquistavam sua confiança[6]”.
Por “Vida do pátio” Dom Bosco não entendia nem a ginástica, concebida como aula que exige atenção e trabalho, nem o esforço cansativo, e sim, um divertir-se com jogos, livre de qualquer preocupação exagerada. Do mesmo parecer era o professor Allievo, docente de pedagogia naquela época. Assim escreve ele: “A natureza ensinou, ela mesma, ao menino a livre e salutar ginástica de seus membros e essa ginástica não deve ser estragada pelo excesso de normas que controlam a sua prática[7]”.
Em Valdocco, a “Vida do Pátio” compreendia dois tipos de recreação que se complementavam mas que se fundiam num único projeto. Um primeiro tipo de recreio que o mesmo Dom Bosco define “todo vida, todo movimento, todo alegria[8]”: o recreio de quem corre, de quem pula, de quem faz pular. É uma recreação com divertimentos lúdico-motores, ao ar livre, “com muito movimento”. Este tipo de recreação é o que mais se sobressai e o mais comum. “Quem nunca viu, dificilmente pode imaginar o barulho, a ingênua despreocupação, os jogos e a alegria daquelas recreações. O pátio era percorrido, palmo a palmo, nas corridas desenfreadas[9]”.
Um segundo tipo de recreação é feito com jogos de pouco movimento e que se realiza, geralmente, passeando[10]. Consiste em jogos de sociedade, diálogos alegres e divertidos, intervenções inteligentes, explicações escolares ou de interesse cultural, contos e também pensamentos espirituais.
No pátio, muitas vezes, se encontrava a banda. A “vida do pátio” era formada por uma enorme variedade de jogos. Os meninos tinham ampla liberdade para participarem desse ou daquele outro tipo de jogo, conforme suas necessidades ou os gostos do momento.
Para Dom Bosco, a recreação não tem como finalidade prejudicar, mas, recriar as forças, elevando o espírito.
Em seu pequeno tratado sobre o “Sistema Preventivo”, Dom Bosco, em síntese, define assim o seu método: “Este sistema se apóia, todo ele, sobre a Razão, a Religião e sobre o Carinho (Amorevolezza)[11]. O Sistema Preventivo apela não para a pressão, mas para os recursos do coração, da inteligência e da sede de Deus que todo homem sente no profundo do seu ser. Razão, Religião e Carinho são fatores educativos.
Dom Bosco foi o santo católico que mais dedicou sua vida para esse trabalho divino de propiciar lazer sadio criando até uma pedagogia do lazer e dos desportos. Hoje, infelizmente, os esportes estão se transformando em objeto da industria capitalista, que através deles fatura fortunas fabulosas, satisfazendo apenas uma pequena fatia da população mundial. O expectador passa a ser apenas um ser passivo.
Além do mais, a vida de pátio é essencial à vida da criança, do menino e do jovem. Educador é também jogador. Dom Bosco santificou-se santificando a atividade esportiva. E a ele, podemos afirmar com segurança, o fez com criatividade genial.
[1] CASTELLANI, A , Il beato Leonardo Murialdo, vol. II, Roma, Libreria Editrice Murialdo, 1968, p. 519.
[2] BRAIDO, P., S. Giov. Bosco, Scritti sul Sistema Preventivo nell’ educazione della gioventù, Brescia, La Scuola, 1968, p. 519.
[3] “Giornale della società d’ istruzione e d’ Educazione” 1 (1849), luglio, p. 459-460. O articulista é Casimiro Danna (1806-1884). Foi regente da primeira cadeira de Pedagogia na Universidade de Turim, em 1845 e depois assumiu a cadeira de Instituição de Belas Letras.
[4] MB III, p. 510-513.
[5] A expressão “Vida do pátio” foi criada por Alberto Caviglia, o primeiro estudioso que tentou uma ampla síntese do pensamento pedagógico de Dom Bosco. A “Vida do Pátio” deve ser entendida em sentido amplo, pois inclui passeios, encontros espontâneos pelas estradas e nos vários ambientes, as reuniões alegres e descontraídas. Enfim, tudo aquilo que não é determinado pelo regulamento e que não depende da administração ordinária[5]. Deve-se incluir, portanto, o teatro, o canto e a música, entendidos, porém, não como aula e sim como recreio, isto é, diversão livre e criativa, e, por fim, também as grandes “festas” com sua coreografia, semelhantes às competições esportivas.

[6] CERIA, E., L’ ambiente educativo dell’ oratorio nel tempo del Savio, em AA.VV., D. Savio, Studi e conferenze in occasione della sua beatificazione, Torino, SEI, 1950, p. 60.
[7] RICALDONE, Pietro, Dom Bosco Educatore, vol. II, Colle Don Bosco, (Asti), LDC, 1952, p. 131.
[8] BOSCO, G., Due Lettere da Roma, em SP, p. 291.
[9] MB VI, P. 400-401.
[10] No pátio não havia bancos (MB VII, p. 50). E, em geral, eram proibidos os jogos sedentários. Às vezes, porém, o próprio Dom Bosco se sentava com vários circos de jovem ao seu redor e os animava com jogos de prestígio, piadas, contos e cantos (MB IV, p. 292-293) e MB VI, p. 335 e 429.
[11] BOSCO, G., Il Sistema Preventivo, em SP, p. 193.

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